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Boiadeiro: Conhecendo através de cantigas





Mais uma vez, voltamos aqui com outra análise de rede, mas agora com uma visão diferente das últimas feitas. A análise a seguir tem a intenção de entender o universo que permeia os boiadeiros: entidades da umbanda/candomblé.


Estas entidades representam não só os trabalhadores que conduziam, negociavam, transportavam ou negociavam gado, como também uma fase do Brasil onde esse tipo de trabalho era mais popular e comum. Além disso, representam um local e fase do país onde essas pessoas foram de suma importância e influência para a construção da nação e sua identidade como um todo.



Com isso, a análise tem o intuito de entender, através das cantigas entoadas nos toques/giras de boiadeiros quais os principais temas ou símbolos citados. Com isso, para entendermos melhor como tudo isso funciona, precisamos explicar a metodologia:


  1. O primeiro passo foi coletar cantigas através de diferentes lugares: toques/giras de boiadeiro, cantigas gravas e postadas no Youtube e sites com as letras das mesmas também. Ao todo foram 149 cantigas.

  2. O segundo passo foi tratar todas as palavras e normalizá-las ao máximo para que os cluster no Gephi fossem entendidos da mesma forma.

  3. O terceiro passo consistiu em analisar os comportamentos no Gephi e entender como todas as cantigas e termos se relacionam.

A rede em si ficou da seguinte forma:


Vamos nos aprofundar em cada cluster para entender como as cantigas explicam este universo.


Este cluster amarelo é o maior de todos e conta com a apresentação de fato de quem é o boiadeiro. Dentro deste cluster estão características onde as cantigas falam sobre quem são essas entidades, bem como quais são as coisas que os simbolizam. O interessante de se observar é que essa apresentação geralmente em sua maioria é feita pelo próprio boiadeiro. A maior parte dos termos são verbos na primeira pessoa do plural. Há uma grande importância aqui da entidade falar sobre quem é, como é e de onde veio.

Principais termos: boiadeiro, vem, sou, boiada, sertão, toca, jurema, samba


Já este cluster verde escuro aprofunda sobre as características que de fato trazem o aspecto e arquétipo do que é o boiadeiro. Nessas cantigas então falam sobre os bois e os gados que estas entidades lidavam no seu cotidiano, e também seus instrumentos (laço, corda, capanga, berrante, jaleco de couro, bota). Outro cenário citado é o ambiente onde eles vivem, geralmente no sertão ou locais de minas (curral, porteira, cancela, chiqueiro, cerrado, puleiro). Geralmente esse cotidiano também é contado pelo próprio boiadeiro, há alguns verbos não só na primeira pessoa do singular, como também no particípio, para falar de suas ações (deixo, cantando, chamando, vaquejar, fiquei)

Principais termos: boi, gado, laço, couro, vaqueiro, curral, berrante


Neste cluster azul claro está presente a origem e a fé destas entidades. Citando de onde vem e o quanto eles e sua terra são abençoados, as cantigas falam sobre a presença da religião católica. Ainda citando seu cotidiano, seja com o lajedo, gruta, a serra, Lapa, seu trabalho, seu patrão (quando tinha), os boiadeiros em momentos falam e em outros são citados sobre o quanto são fervorosos a Deus e os santos católicos. O interessante de se observar é o recorte deste tempo o quanto a Igreja Católica tinha forte presença e isso é retratado até mesmo nos terreiros. Citando Deus, "Bom Jesus", Virgem Maria e contemplando (salve, santa, rogo, sagrada, valei), as cantigas falam sobre esse fervor, que geralmente também era aclamado para lidar com as adversidades do dia a dia destas entidades.

Principais termos: Deus, serra, bom, casa, lajedo, salve, terra


Novamente em alguns casos citando sua origem, aqui neste cluster rosa é possível entender certa vaidade e postura que estes boiadeiros possuem e o apreço por sua origem e terra (lindo, mal encarado, "nada tem medo", chapéu, chapadão, lajedo, campestre). Há também o apreço pelo laço que alguns tinham com outros caboclos (mestiços geralmente da mistura de indígenas com brancos), mas os que viviam mais no mato e nas matas.

O interessante aqui salientar é que em alguns terreiros de umbanda e candomblé, os boiadeiros também são vistos como caboclos, mas há a diferença entre os de couro (boiadeiro) e os de pena (indígenas e mestiços)

Geralmente algumas cantigas entre esses caboclos acabam por se fundir, mostrando que alguns mudam seus hábitos ou até mesmo seu trabalho ou vida, para um vida no sertão/campo. Ainda assim louvam também seus camaradas "de pena" e suas terras. É possível ver isso quando vemos os termos cantados como: caboclo, flecha, irmãos, saiote de pena, penacho, aldeia

Principais termos: caboclo, chapéu, lindo, grande, terreiro, aldeia


Este cluster mais avermelhado o quando os boiadeiros valorizam seus mais próximos, sejam seus amigos/camaradas, quanto mãe, pai, filhos (geralmente os médiuns que trabalham), e novamente citando suas terras. Aqui os boiadeiros geralmente falam sobre suas funções dentro do terreiros e seus trabalhos para abençoar quem os frequenta. Na maior parte das vezes falam também se estão por intermédio de Deus e/ou algum orixá.

Principais termos: filho, meus, chega, trabalhar, nasceu, aguas claras, chamo, saravá


Neste cluster verde claro, os boiadeiros cantam sobre entre um trabalho e outros alguns momentos de lazer/descontração e até mesmo hobbies. É possível ver isso quando cantam alguns sambas e nos termos: cavalo, bêbado, touro

Principais termos: cavalo, estava, gibão, linha, farinha, carro


Como algumas destas entidades estavam sempre em movimento, transportando ou precisando ir de uma fazenda/campo a outra, a paisagem e os lugares que passaram também são sempre citados e contemplados por estes boiadeiros. Citando assim então o Sol, a Lua, Aurora e os locais (estância, rochedo), eles falam sobre essa movimentação frequente (corre, cavalgando)

Principais termos: lua, pai, água, sol, alto, estância, gravata


Essas entidades também falam em alguns momento o quanto precisavam ser fortes para lidar com outras adversidades da natureza e também o quanto o trabalho braçal estava presente no seu cotidiano. Isso fica claro quando vemos os termos: pé, mão pega, guiada, chicote.

Principais termos: pé, mão, chão, companheiro, pega, chicote, onça, guiada


RESUMO DA OBRA

  • Na maior parte do tempo, essas cantigas são sempre cantadas em primeira pessoa do singular, mostrando o quanto os próprios boiadeiros cantam suas histórias, vivências e situações do seu habitat. Isso se assemelha muito a um cordel cantado, sendo os boiadeiros os próprios cordelistas do ambiente e cultura daquela época.

  • Louvar e lembrar sua terra e suas origens é um dos principais pontos a serem exaltados por essas entidades. O orgulho de pertencer a essas terras estará sempre pontuado a todo momento pelos boiadeiros.

  • Através do trabalho é possível entender os diversos tipos de funções que orbitam o campo dos boiadeiros. Alguns eram tropeiros (condutores de tropas e transportadores alimentos e produtos manufaturados no tempo do Tropeirismo), mineiros (pessoas que trabalhavam nas minas), vaqueiros (os profissionais que lidavam o gado num geral) e os boiadeiros (tocavam boiadas e em alguns casos eram desbravadores)

  • É interessante notar que os locais citados pelos boiadeiros mostra uma mudança de alguns locais e pessoas de mata para locais mais áridos e de campo. Isso mostra o momento em que essas entidades viveram geralmente entre o final do século 17 e final do século 19. Há muitos locais que eram habituais de serem citados nesta época. Nesta época que aconteceram as explorações das Minas Gerais, as diversas revoltas no Nordeste, a elitização e marginalização de alguns polos, a Grande Seca no Nordeste e as oligarquias. O reflexo de alguns destes cenários estão presentes até hoje na nossa sociedade.

  • A fé, principalmente na crença católica, é algo a ser citado pelos boiadeiros. Neste mesmo período citado acima, também houve o maior, fortalecimento e estabelecimento do catolicismo, principalmente no norte do Sudeste e no Nordeste como um todo.

  • O trabalho braçal do cotidiano e lidar com todas as adversidades sociais e territoriais do tempo, trazem também é exibida nas cantigas, transformando o boiadeiro numa entidade que precisa e desenvolve de muita força para lidar com as adversidades do cotidiano.

  • É por esse ponto anterior que na maioria das vezes, o arquétipo do boiadeiro é de uma pessoa forte, aguerrida, "mau encarada" e de personalidade muito forte, mas sem deixar de lado sua vaidade, a lealdade aos seus próximos e seu lazer.

Bom pessoal. É isso, espero que tenham gostado da análise e das coisas aqui propostas. Qualquer dúvida nos contatem. Abraços!


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